ENTRE O PRAZER E O SIGNIFICADO

quinta-feira, março 29

Obra Primata 4

'Sobre humanos e outros animais', um livro de John Gray


Tirando o excesso de pessimismo limitador neste ataque cerrado ao humanismo, um texto muito interessante para reflectir, e provocar polémica, sobre a condição trágico-cómica do humano que se julga superior à sua essência animal e clownesca.

'Apenas as pessoas atormentadas querem a verdade. O homem é como os outros animais, quer comida e sucesso e mulheres, não a verdade. Só se a mente torturada por uma tensão interior desesperou da felicidade: odiará então a jaula da sua vida e procurará mais longe.'
'Os que lutam por mudar o mundo vêem-se a si próprios como figuras nobres ou, mais do que isso, trágicas. Contudo, muitos dos que dedicam esforços para melhorar o mundo não são revoltados contra a ordem das coisas. Procuram consolação para uma verdade que são demasiado fracos para suportar. No fundo, a sua fé de que o mundo poderá ser transformado pela vontade humana representa uma negação da sua própria mortalidade.'
'A acção preserva um sentimento de auto-identidade que a reflexão compromete. Quando trabalhamos no mundo possuímos uma solidão aparente. A acção consola-nos da nossa inexistência. Não é o sonhador ocioso que se evade da realidade. São os homens e as mulheres práticos, que se viram para uma vida de acção como refúgio contra a sua insignificância.'
'Procurar um sentido na vida talvez seja útil como terapia, mas nada tem a ver com a vida do espírito. A vida espiritual não implica uma busca de sentido, mas uma libertação dessa busca.'
'Os outros animais não precisam de um propósito na vida. Contraditoriamente, o animal humano não pode viver sem ele. Não poderemos pensar que o propósito da vida poderá passar pela sua simples observação?'

quarta-feira, março 28

Da Importância de Saber Viver Sozinho


'Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o início deste milénio. As relações afectivas também estão a passar por profundas transformações e a revolucionar o conceito de amor. O que se procura hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer em estar junto, e não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar.

A ideia de uma pessoa ser o remédio para nossa felicidade, que nasceu com o romantismo está fadada a desaparecer neste início de século. O amor romântico parte da premissa de que somos uma fração e de que precisamos de encontrar a nossa outra metade para nos sentirmos completos. Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher, levando-a a abandonar as suas características, para se adaptar ao projecto masculino.

A teoria da ligação entre os opostos também vem dessa raiz: o outro tem de fazer o que eu não sei. Se sou tímido, ele deve ser agressivo, e assim por diante. Uma ideia prática de sobrevivência, e pouco romântica, por sinal. A palavra de ordem deste século é parceria.
Estamos a trocar o amor de necessidade, pelo amor de desejo. Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso, o que é muito diferente.

Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual, as pessoas estão a perder o pavor de ficar sozinhas, e a aprender a conviver melhor consigo mesmas. Estão a começar a perceber que se sentem fração, mas são inteiras. O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente uma fração. Não é o príncipe ou o salvador de coisa nenhuma. É apenas um companheiro de viagem.

O homem é um animal que vai mudando o mundo, e depois tem que se ir reciclando, para se adaptar ao mundo que fabricou. Estamos a entrar na era da individualidade, o que não tem nada a ver com egoísmo. O egoísta não tem energia própria; ele alimenta-se da energia que vem do outro, seja ela financeira ou moral.

A nova forma de amor, ou de mais amor, tem uma nova cara e significado. Visa a aproximação de dois inteiros, e não a união de duas metades. E ela só é possível para aqueles que conseguirem trabalhar a sua individualidade. Quanto mais o indivíduo for competente para viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afectiva.

A solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso. Pelo contrário, dá dignidade à pessoa.
As boas relações afectivas são óptimas, são muito parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único. O nosso modo de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém. Muitas vezes, pensamos que o outro é a nossa alma gêmea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto.

Todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando, para estabelecer um diálogo interno e descobrir a sua força pessoal. Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo, e não a partir do outro.

Ao perceber isso, ele torna-se menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um. O amor de duas pessoas inteiras é muito mais saudável.'


Adaptado de um texto de Flávio Gikovate

terça-feira, março 27

sábado, março 24

O Grande Teatro do Mundo 10

Concepção e Interpretação: Gardi Hutter

'Com uma peruca amarela despenteada, um nariz vermelho de borracha e uma almofada à frente e outra atrás, alguém entra numa lavandaria desarrumada e atira-se de cima de uma pilha de trapos para ler um livro intitulado Joana d'Arc e Outras Heroínas.
Rapidamente se transforma em 'Joana, a lavadeira', uma aventureira armada de caçarolas, alguidares e passadores, que resmunga, cacareja, desmaia, seguindo sozinha os passos da sua heroína, Jona d'Arc, numa terra de aventuras por si criada.
Tendo descoberto como sair de dentro de uma maquina de lavar alegremente volta a mergulhar. Connosco...' Numa tarde solarenga de sábado num Porto que precisa urgentemente de mais clowns.

quinta-feira, março 22

A Poética de um Clown 5

'O palhaço é a encarnação de uma criatura fantástica que exprime o aspecto irracional do homem; ele simboliza o instinto, tudo o que cada um de nós tem de rebelde e tudo o que desafia a ordem estabelecida das coisas. É uma caricatura dos aspectos animalescos e infantis do homem, o que troça e o que é troçado.
O palhaço é um espelho em que o homem se vê numa imagem ridícula, deformada e grotesca. É a sombra do homem. E sê-lo-á para todo o sempre. É como se perguntássemos a nós mesmos:'a morte é a sombra? A sombra morre?'.
Para a sombra morrer, o sol tem de estar mesmo por cima das nossas cabeças; então a sombra desaparece. O homem completamente esclarecido faria com que os seus aspectos grotescos, ridículos e deformados desaparecessem. Perante uma criatura tão bem acabada, o palhaço - considerado como o seu aspecto disforme - não teria razão para existir. Mas o palhaço não desaparecerá, disso podem estar certos. Será apenas assimilado.'

Fellini em Fellini conta Fellini

Obra Primata 3

segunda-feira, março 19

Sininho à Beira-Mar

João Caetano Dias

'- O mais importante, no que diz respeito à vida por estas bandas, é o facto de as pessoas se deixarem absorver pelas coisas.
- Absorver pelas coisas? Que quer isso dizer?
- Acontece o mesmo quando estás na floresta. Quando estás à chuva, tornas-te parte da chuva. Quando é manhã, tornas-te parte da manhã. Quando estás comigo, tornas-te parte de mim.
- E quando tu estás comigo, tornas-te parte integrante de mim?
- É a pura verdade.
- Qual é a sensação? Seres tu própria e parte de mim ao mesmo tempo?
Ela olha de frente para mim e toca no alfinete de cabelo.
- É um sentimento muito natural. Quando se está habituado, é muito simples. É como voar.'

Haruki Murakami, Kafka à beira-mar.

quinta-feira, março 8

Reciclown

Cuidado para não perder o nariz na procura do clown gémeo.

‘Ever tried. Ever failed. No matter. Try Again. Fail again. Fail better.’

‘Ever tried. Ever failed. No matter. Try Again. Fail again. Fail better.’