ENTRE O PRAZER E O SIGNIFICADO

terça-feira, março 31

A Poética de um Clown 32

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'O clown representa uma situação de desnível, de inadequação do homem face à vida. Através dele exorcizamos a nossa impotência, as nossas contradições e principalmente a luta ridícula e desproporcional contra os fantasmas do nosso egoísmo, da nossa vaidade e da nossa ilusão.' (F. Fellini).
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'Dotado de livres poderes, é instrumento capaz de transformar uma sociedade pela inversão dos seus valores, questionando-os ou, ao menos, trazendo à tona a possibilidade de reflexão. Também possui a tarefa de disseminar o amor, o bom humor, a simplicidade e a felicidade, em suma, de disseminar a humanidade. Ser clown é um estado do ser, o mais autêntico.' (Justo).

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terça-feira, março 24

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segunda-feira, março 23

A Sagração da Primavera

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Em resposta, partilho um pouco do que estou a ler:



'O bailado começou às oito. Em Paris, o dia tinha sido quente e húmido e a noite mantinha -se desconfortavelmente sufocante. O interior do teatro estava abafadiço. Quando as luzes começaram a diminuir, os espectadores, ligeiramente embriagados pelas bebidas que tinham tomado antes do espectáculo, pousaram os programas e pararam de murmurar. Os homens tiraram os chapéus altos e enxugaram a testa. As senhoras desdobraram as boas. A cortina subiu lentamente. Igor Stravinsky, a transpirar dentro do fraque na quarta fila, estava a ficar nervoso. A sua sinfonia, A Sagração da Primavera, ia ser apresentada pela primeira vez ao público.


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Stravinsky, um jovem compositor cheio de ambição, estava ansioso por divulgar o seu génio à multidão cosmopolita. Queria que a sua nova obra musical lhe trouxesse fama, que fosse tão chocantemente moderna que não pudesse ser esquecida. Os tempos modernos pediam sons modernos e Stravinsky queria ser o compositor mais moderno da sua época. A primeira dança da noite não era A Sagração. Sergei Diaghilev, o agente dos Ballets Russes e o homem que tinha encomendado a composição a Stravinsky, preferiu começar a noite com um clássico, As Sílfides. Musicada por Chopin e coreografada pelo sempre gracioso Michel Fokine, esta polonesa popular representava tudo contra o que Stravinsky se insurgia. Fokine inspirara-se nas harmonias sonhadoras de Chopin e transformara o bailado numa fantasia romântica, um trabalho de abstracção poética pura. A beleza da dança residia no seu enredo.


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Não houve intervalo a seguir à peça. Depois de os aplausos se desvanecerem, a sala foi invadida por pausa prenhe. Mais alguns percussionistas encheram o fosso de orquestra. Os utantes de cordas voltaram, obedientemente, a afinar os instrumentos. Quando terminaram, o maestro, Pierre Monteux, colocou a batuta em posição. Apontou para o fagote. A Sagração começara. No princípio, A Sagração é sedutoramente fácil. O fagote trémulo, tocando no registo mais alto (parece um clarinete rachado), evoca uma velha melodia folclórica lituana. Para o ouvido inocente, esta melopeia cadenciada soa como uma promessa calorosa. O Inverno acabou. Podemos ouvir o solo morto dar lugar a um harpejo de rebentos verdes.


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Mas a Primavera, como disse T. S. Eliot, também é uma estação muito cruel. Mal os lilases despontam, a arrebatadora dissonância do trabalho orquestral de Stravinsky começa, como “a sensação imensa daquilo por que todas as coisas passam no momento em que a Natureza renova as suas formas”. Numa das transições mais brutais da música, Stravinsky abre a segunda cena da sua sinfonia com uma monstruosa enxaqueca em forma de som. Apesar de a música ter apenas começado, Stravinsky já está a deleitar-se com a total rejeição das nossas expectativas.


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Stravinsky chamou a esta cena “Os Áugures Primaveris”. Os “Áugures” não auguravam nada de bom. Em escassos segundos, as floreadas melodias folclóricas do fagote são abafadas por um ritmo epiléptico, com as trompas a colidir assimetricamente contra o ostinato. Todas as criações da Primavera começam de repente a clamar por atenção. A tensão sobe, sobe, sobe, mas não tem por onde escapar. O ímpeto irregular é tão desapiedado como a banda sonora de um apocalipse, e o ritmo cresce, até um fortíssimo fatal. Foi aqui que o público da estreia desatou a vaiar. A Sagração tinha dado origem a um motim. Uma vez começadas, as vaias e os apupos nunca mais pararam. Depois de ter sido martelada pelos acordes dos “Áugures”, a burguesia envolveu-se em cenas de pancadaria nas coxias. Velhas senhoras atacavam jovens estetas. Atiravam -se insultos às bailarinas. O chinfrim era tanto que Monteux já não conseguia ouvir o que estava a dirigir. A orquestra desintegrou-se numa cacafonia de instrumentos confusos. A dissonância musical foi suplantada pela dissonância real. A refrega exasperou Stravinsky. A sua arte estava a ser destruída por um público idiota. Com a face crispada, Stravinsky fugiu do seu lugar e correu para os bastidores. Ali, Diaghilev ligava e desligava freneticamente as luzes. O efeito intermitente mais não fez do que aumentar a loucura. Vaslav Nijinsky, o coreógrafo do bailado, estava ao lado do palco, empoleirado numa cadeira a gritar o ritmo para os bailarinos. Eles não o podiam ouvir, mas não tinha importância. Ao fim e ao cabo, esta dança era sobre a ausência de ordem. Como a música, a coreografia de Nijinsky era uma rejeição autoconsciente da sua arte. As formas refinadas, tridimensionais, do ballet clássico, o discreto posicionamento de braços e pernas, o grand-jeté, os abraços sensuais, os pés em primeira posição, os tutus – todas as tradições da dança foram ridicularizadas. Sob a direcção de Nijinsky, o público via apenas os perfis dos bailarinos, os corpos curvados para a frente, as pernas penduradas, os pés virados para dentro a martelar no palco de madeira. Os bailarinos disseram mais tarde que a dança lhes lesionou os membros. Era um bailado tão furioso como a nova música. Finalmente apareceu a polícia de Paris. Limitou -se a provocar mais caos.


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Gertrude Stein descreveu a cena: “Não conseguíamos ouvir nada… A dança era excelente e isso conseguimos ver, apesar de estar um homem no camarote contíguo a brandir a bengala. Finalmente, depois de uma acalorada altercação com um entusiasta do camarote ao lado, a bengala desceu e esborrachou a cartola que o outro tinha acabado de pôr, em sinal de desafio. Foi tudo incrivelmente violento.” A fúria não terminou até a música parar.


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Se alguma consolação existiu na violência daquela noite foi a publicidade. A nova sinfonia de Stravinsky estava nas bocas do mundo. De repente, o compositor estava mais na moda que Colette. Stravinsky recordaria mais tarde a noite como agridoce. Ninguém ouvira a sua arte, mas ele transformara -se numa verdadeira celebridade, no ícone da vanguarda. Quando o espectáculo terminou e o teatro se esvaziou, Diaghilev disse apenas uma coisa a Stravinsky: “Exactamente o que eu queria.”


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Porque é que o público se revoltou naquela noite? Como é que uma peça de música leva uma multidão à violência? É este o segredo de A Sagração. Para o público, a sinfonia de Stravinsky era o som da originalidade impiedosa. A multidão esperava mais Chopin. O que lhe deram em troca foi o sangrento nascimento da música moderna.'
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Jonah Lehrer

domingo, março 22

O Grande Teatro do Mundo 22

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TAMBORES NA NOITE
de Bertolt Brecht
TNSJ
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Também eu gostava de ter sabedoria.
Nos velhos livros está escrito o que é ser sábio:
Retirar-se das querelas do mundo e passar
Este breve tempo sem medo.
E também viver sem violência
Pagar o mal com o bem
Não realizar os desejos, mas esquecê-los.
Ser sábio é isto.
E eu nada disso sei fazer!
É verdade, vivo em tempo de trevas!
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Bertolt Brecht
Foto - Site TNSJ
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quinta-feira, março 19

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' Estar cheio de vida é respirar profundamente, mover-se livremente e sentir com intensidade.'
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Alexander Lowen
Foto de Louis Greenfield
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quarta-feira, março 18

Brinquedos Ópticos 28

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segunda-feira, março 16

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Permite que a tua vida se desenrole naturalmente.
Sabe que também ela é um veículo de perfeição.

Da mesma forma que inspiras e expiras,
há um tempo para estar à frente e um tempo
para ser último,
Um tempo para estar em movimento e um tempo
para descansar,
Um tempo para ser vigoroso e um tempo
para estar exausto,
Um tempo para estar a salvo e um tempo
para estar em perigo.

Para o sábio,
toda a vida é movimento
em direcção à perfeição;
Assim, que necessidade tem do excessivo,
do extravagante ou do extremo?

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Lao-Tzu
Foto de Monzani
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basta um dia de sol para eu ficar mais rico
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sexta-feira, março 13

O Viajante Imóvel 42

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Algumas das pessoas mais bonitas que conheci nos últimos meses:

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Gran Torino Clint Eastwood

Rachel Getting Married Jonathan Demme

The Wrestler Darren Aronofsky

Happy-Go-Lucky Mike Leigh

Milk Gus Van Sant
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The Visitor Thomas McCarthy

segunda-feira, março 9

A Poética de um Clown 31

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A sociedade dos bons sentidos
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Eram duas orelhas. Só duas orelhas.
Estavam num grande cartaz que anunciava uma marca de aparelhos de rádio: PARA OS RÁDIOS THO-KATU-DO SOU TODO OUVIDOS.
O anúncio passou à história – será esta? – e as orelhas ficaram desempregadas. Que fazer?


Deu-lhes para voar sobre a cidade, como uma borboleta gigante, à procura de poiso.
Foram ter a um ferro-velho ao ar livre, onde, no meio de muita tralha, repousavam, sem préstimo, uns óculos gigantes, com o respectivo nariz. Tinham estado pendurados na fachada de uma loja de oculista, que mudara de ramo.
Associaram-se as orelhas aos óculos mais o nariz. Já não faltava tudo.
A borboleta que voava, agora, sobre os telhados da cidade estava mais completa. Ouvia, via e cheirava.


Operários andavam a desmontar do alto da porta de uma luvaria uma grande mão enluvada. O prédio ia ser deitado abaixo. A quem interessava uma luva sem luvaria?
Interessava à nova sociedade Orelhas, Óculos & Nariz, Ldª, em franco progresso.
Mesmo enluvada, a mão tinha tacto, pegava em coisas, dizia adeus. Era uma colaboradora imprescindível.


Se as orelhas ouviam, se os olhos atrás dos óculos viam, se o nariz cheirava e se a mão tacteava, o que é que faltava, para completar os cinco sentidos?


— Faltava a boca! — não disseram eles, porque não tinham boca para dizer.
Pois faltava a boca, que é a porta do paladar e, além disso, que fala, ri, assobia, beija. Ter boca dá imenso jeito.
Mas encontrar uma disponível?! Quem a tem, guarda-a para si. Não ia ser fácil.


A sociedade Orelhas, Óculos, Nariz & Mão, Ldª, resolveu pôr um anúncio no jornal:
BOCA
Precisa-se. De preferência, com dentes. Resposta a este jornal, ao nº tal e tal.


Responderam vários candidatos. Ofereceu-se uma dentadura, mas sem boca, o que não era conveniente.
Ofereceu-se a Boca do Inferno, um precipício sobre o mar de Cascais, o que estava fora de causa. Ofereceu-se um pudim chamado Boca Doce, também a despropósito.
Ofereceu-se uma boca de favas, que ninguém percebia. Por isto ou por aquilo, todas as bocas que apareceram foram rejeitadas. A boca do estômago, a boca de incêndio, a boca da noite e outras bocas e boquinhas não vinham para o caso.


— Parece que ficamos sem boca — não disseram eles, que não tinham boca, mas pensaram.


Até que lhes apareceu um coração, um lindo coração doirado de noiva minhota, que se apresentou nestes termos:
— Faço as vezes da boca que vos faz falta, porque tenho o coração ao pé da boca.
Onde? Não se via, mas eles acreditaram. Havia tanta franqueza naquele coração de oiro, que tudo o que ele dizia tinha de ser verdade.
E provou.


O MAIOR ESPECTÁCULO DO MUNDO, anunciava a cara cheia de um palhaço, de grandes orelhas e óculos estapafúrdios, sobre o nariz pintado, a apontar, com a mão enluvada, a entrada de um circo.
Não passava despercebida.


Aquela cara inocente de palhaço tinha a boca ao pé do coração. Ou vice-versa. E cinco ou mais sentidos de alegria, sempre generosos e prontos a apresentar o maior espectáculo do mundo que é a vida. Ou vice-versa.



António Torrado
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‘Ever tried. Ever failed. No matter. Try Again. Fail again. Fail better.’

‘Ever tried. Ever failed. No matter. Try Again. Fail again. Fail better.’