'Ser palhaço era ser peão no xadrez do destino. Na pista, a vida não passa de um mudo espectáculo feito de cambalhotas, bofetadas, pontapés – um nunca acabar de fintas e contra-ataques. E era por meio desta vergonhosa rigolade que uma pessoa conquistava os favores do público! O idolatrado palhaço!
O bem-amado palhaço cujo privilégio especial consistia em reviver os erros, as loucuras, as idiotices, todas as incompreensões que afligem a espécie humana! Ser a própria inépcia era algo que mesmo o mais imbecil dos imbecis poderia entender. Não compreender as coisas, quando tudo é tão claro como a luz do dia; não dar pelo truque, embora repetido milhares de vezes; tactear como um cego, quando todos os sinais indicam a direcção exacta; insistir em franquear a porta errada, apesar do aviso de Perigo!; avançar para dentro do espelho, em vez de torneá-lo; espreitar pelo extremo errado de uma carabina, uma carabina carregada! – Nunca as pessoas se cansam destas coisas absurdas, pois há milénios que os seres humanos se enganam no caminho, há milénios que todas as suas buscas e interrogações desaguam num beco sem saída. O mestre da inépcia tem como domínio o tempo inteiro. Só se dá por vencido perante a eternidade.'
O sorriso aos pés da escada. Henry Miller. Asa
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