ENTRE O PRAZER E O SIGNIFICADO

sábado, maio 31

A Poética de um Clown 25

Alastair Magnaldo

--
.que tenhamos orgulho nos nossos enganos.
--
--
---
'A questão é saber se é possível ser-se, simultaneamente, genial e falhado. Eu creio que o falhanço implica talento. Conseguir é falhar. Estou convencido de que não há grandes cineastas que não sacrifiquem algo: Renoir sacrificaria tudo (argumento, diálogo, técnica), em prol de uma melhor interpretação por parte do actor; Hitchcock sacrificaria a verosimilhança policial para beneficiar uma situação previamente escolhida; Rossellini sacrifica os raccords de movimento e de luz em troca de maior frescura – ou calor, é o mesmo – dos intérpretes (...) Mas a perfeição, o sucesso, considero-os abjectos, indecentes, imorais e obscenos; (...) Todos os grandes filmes da História do Cinema são filmes “falhados”.’

François Truffaut

quarta-feira, maio 28

Northern Light






Fotos - PalhaçoVoador. Amesterdão. Agosto. 2004



David e Golias

-
-
'Há o Caravaggio David devoto e corajoso. E depois, há o pecador criminoso, o Caravaggio Golias. “Eu sei quem fui”, diz uma cabeça patética, incapaz de nos olhar nos olhos, “Sei o que fiz”. É uma visão desoladora que nos é oferecida na mais pura escuridão. Sem virtude, sem graça. Apenas a sombria verdade do interior da cabeça de Caravaggio, inundada de trágico auto conhecimento.
Para mim, o poder da sua arte é o poder da verdade. Em larga medida, sobre nós próprios. Pois para que tenhamos uma hipótese de redenção, teremos de começar por reconhecer que em todos nós o Golias compete com o David.'

Simon Schama

segunda-feira, maio 26

Todos os dias um pouco mais

--
--
'O que é artístico não me interessa. O que me interessa é tudo aquilo que podemos aprender.'


'É tempo de deitar por terra um erro fundamental cometido a meu respeito: não sou um cineasta. Apesar de possuir, nesta área, uma espécie de habilidade, o cinema não é a minha profissão. A minha profissão é a que temos de aprender diariamente e que não se cansam de descrever: é a minha profissão de homem. E o que é um homem? É um ser erguido que se põe em bicos de pés para vislumbrar o universo. A minha paixão, talvez também a minha loucura, é entender todos os dias um pouco mais.'
--
Roberto Rossellini

domingo, maio 25

A Representação do Eu nos Dias 37




'Cada um de nós assume, diariamente, vários papéis e é inconscientemente “empurrado” pelas pessoas que nos rodeiam a desempenhar esses diversos papéis. Por isso, em grande parte somos nós próprios a determinar subjectivamente o modo como vemos o outro: quem está à nossa frente reage aos sinais que lhe enviamos.

Desse modo podemos levar o outro a confirmar, através do seu próprio comportamento, a imagem que dele formámos. Através das suas reacções ao nosso comportamento, o outro transforma-se, sem o querer, precisamente no desastrado ou no hábil estratega que nós vemos nele. E, assim, os preconceitos tornam-se rapidamente realidade.

Quando se trata de relações humanas, acontece-nos o mesmo que aos físicos das experiências quânticas: sempre que observam um determinado estado, acabam por modificá-lo.'

Stefan Klein, Como o acaso comanda as nossas vidas, Lua de Papel

A Poética de um Clown 24

Miró
---
'Decididamente não gostamos e nunca procuramos “fazer bonitinho”, mas agradam-nos os gestos redondos, desde que contenham alguma indefinição na emoção. Procuramos uma emoção muito indefinida, por vezes próxima da loucura, imprevísivel, não racionalizada, espontânea. Lutamos, sim, contra o excesso de representação, porque queremos sentir que as actrizes estão a “viver” e não apenas a “mexer”. Tem a ver com a sinceridade do acto de representar. Não gostamos de sentir que elas não estão lá. Temos vindo a lutar para conquistar o máximo de expressão com o mínimo de expressividade. Muitas vezes, temos de esvaziar para depois voltar a encher, tornar o gesto inexpressivo para mais tarde o tornar expressivo.'
In Programa do espectáculo Casa-Abrigo. Circolando. TNSJ

sexta-feira, maio 23

O Grande Teatro do Mundo 17


Casa-Abrigo. Circolando. Mosteiro de São Bento da Vitória. Até 31Mai.

-----
'Tomando por pontos de partida as obras de Gaston Bachelard e Louise Bourgeois, chegamos a um conjunto de palavras-chave que nos servem de guia: casas abandonadas, suspensas no tempo, fundidas com a natureza. Casas com árvores e árvores com casas. Abrigos, refúgios, casulos, ventres. Mulheres--casa-mãe. Fiadeiras e tecedeiras. Aranhas, ovelhas, bichos-da-seda. Fios e novelos. Dobadoiras e teares. Ciclos do linho, da lã e da seda. Cantos de trabalho. Canções de embalar. Baloiços em sonhos imensos. Sonhos de mar e sal. Sonhos com voos de pássaros.'
Circolando. Programa TNSJ

quinta-feira, maio 22

A Poética de um Clown 23

Frimago


'Quem exclui o acaso da sua vida priva-se do melhor que ela tem para dar.'
Gregory Berns

'Enquanto sobrevalorizamos o nosso conhecimento do mundo, subestimamos, simultaneamente, o nosso talento para tirar proveito das surpresas. E isso não deixa de ser surpreendente, até porque o ser humano se caracteriza, ao contrário de todas as outras criaturas, pela sua extraordinária capacidade de conseguir o melhor num ambiente inseguro.

Até por isso, temos todas as razões para confiarmos em nós, perante um mundo em constante transformação. Podemos dar-nos o luxo da serenidade. O nosso mais importante utensílio no relacionamento com a incerteza é a atenção. Quanto mais cedo e mais rigorosamente nos apercebermos conscientemente das transformações, tanto melhor podemos calcular os riscos e reconhecer as oportunidades. Uma concentração unilateral nos planos contraria esta estratégia, porque absorve demasiada atenção. Como John Lennon disse uma vez, a “vida é aquilo que acontece enquanto nós fazemos outros planos”.

Assim, os acasos obrigam-nos a abandonarmos os castelos de ar que construímos nas nossas cabeças e a entrar no campo da realidade. Por isso, conceder ao imprevisível mais espaço nas nossas vidas não é apenas uma aventura. Esse processo também nos transforma. A percepção torna-se mais aguda e adquirimos uma outra noção do tempo: o acaso ensina-nos a estarmos atentos. Nisso consiste a grande vantagem que ele nos oferece. As surpresas tornam-nos sensíveis à realidade. E não será o agora tudo o que temos? Abrir as portas ao acaso significa estar vivo.'

Stefan Klein, Como o acaso comanda as nossas vidas, Lua de Papel

terça-feira, maio 20

Homo Faber 24

Gilbert Garcin

Acaso

'De um modo geral, não temos consciência do muito que devemos aos factores aleatórios. O nosso cérebro está programado para não acreditar em acasos. Assim, e para que nos possamos orientar no mundo, o cérebro espelha-nos, muitas vezes uma segurança ilusória.

Num mundo cada vez mais complexo e intrincado somos constantemente obrigados a tomar decisões sem estar na posse de todas as informações necessárias. (...) Podemos orientar o nosso comportamento de modo a que possamos tirar proveito da situação, mesmo quando as condições exteriores se modificam surpreendentemente. É assim que podemos transformar o acaso num aliado. Para além disso, o jogo com o inesperado abre-nos estratégias para desenvolvermos ideias e criarmos, de forma sistemática, oportunidades favoráveis.

No entanto, essas oportunidades não nos vêm cair às mãos de graça. Quem quiser tirar proveito delas tem de se distanciar de uma ilusão arreigada, que consiste na crença de que podemos planear a nossa vida até ao mais ínfimo pormenor. Ocuparmo-nos com o acaso ensina-nos humildade.

No fundo, todos nós sabemos que muitas vezes a segurança é mais desejada do que real. Quando começamos a aprofundar o fenómeno do acaso, essas manobras ilusórias são substituídas por uma confiança no imprevisível – e pela consciência de que temos a capacidade de tirar proveito das surpresas. Conhecer o acaso acalma.

Se nos abrirmos para as incertezas do mundo acabamos por ser premiados bem mais vezes do que esperávamos. Há que contar com milagres.'


Stefan Klein, Como o acaso comanda as nossas vidas, Lua de Papel

segunda-feira, maio 19

Homo Faber 23

Gilbert Garcin
----
'O significado que atribuímos às experiências depende, em grande parte, da nossa própria interpretação. (...) Se as crianças precisam de um conto de fadas, como afirma o título de um famoso livro, então os adultos precisam de mitos.

Mas não é só em situações de crise existencial e após golpes do destino que muitas pessoas sentem o desejo de ver o que lhes aconteceu inserido num contexto mais vasto. Mesmo no dia-a-dia gostam de interpretar os sinais, seguir o proverbial “aceno do destino” e de acreditar, secretamente, que desígnios mais elevados intervieram, desempenhando um papel decisivo nas mais decisivas transformações da vida.

Contra isso não há nada a dizer – desde que consigamos distinguir entre factos e interpretações, de modo a não transformar os produtos da fantasia no fundamento das nossas decisões. Para tomar decisões há sempre melhores estratégias. Trata-se, portanto, de aprender uma espécie de dupla contabilidade, com a qual podemos integrar, simultaneamente, as nossas vivências em duas realidades distintas: por um lado, movemo-nos num mundo de factos comprováveis, e apenas esses devem determinar as nossas acções. Por outro lado, também podemos mergulhar num mundo de interpretações e contextos fantásticos, de onde podemos observar e, eventualmente, até revalorizar as nossas experiências, a partir de uma perspectiva mágica.

Não prescindir de nenhuma destas perspectivas e, no entanto, ser capaz de separar as águas pode parecer estranho, ao até mesmo impossível. No entanto, é bem mais fácil do que parece. No cinema, a arte da dupla contabilidade nada tem de complicado: mergulhamos no enredo de um melodrama, ficamos emocionados, os sentimentos e as lágrimas são genuínos; no entanto, não duvidamos, nem por um segundo, de que a história que está a passar no ecrã não é realidade. No dia-a-dia, uma vida assim, entre a realidade e a interpretação fantasiada também é possível. Ainda por cima, somos nós próprios – e não um destino anónimo – que desempenhamos o papel principal.
--
O poeta Rainer Maria Rilke exprimiu-o desta maneira: “Cada dia deve e tem de ter um sentido, e não é do acaso, mas sim de mim, que ele o deve receber.”’


Stefan Klein, Como o acaso comanda as nossas vidas, Lua de Papel

O Viajante Imóvel 36


----
----

‘É esse o interesse de pessoas que não têm um método do trabalho, como é o caso dos que não são actores. Não têm uma receita, acreditam – ou não acreditam. Um método de trabalho pode dar a ilusão de que temos sempre solução para um problema. Isso dá um lado artificioso às coisas: mesmo se o trabalho é bem feito, não deixa de ser trabalho. Gosto, por isso, de ir com os actores até lugares que não têm a ver com o trabalho.'

‘Um dos temas do filme é a homenagem à geração do meu pai. Sinto que ele se condenou a uma vida de dor: fazer o mesmo trabalho durante 40 anos, nas obras, no pó. Houve ali algo de sacrificial. Fê-lo pelos filhos, era o que dava sentido à sua vida. Transmitiu-me essa vontade de dar um sentido às coisas.’
Abdellatif Kechiche

domingo, maio 18

Reinhard Bachl

sábado, maio 17

O Grande Teatro do Mundo 16

A Ronda Nocturna de Lars Norén. Encenação de João Paulo Costa. Teatro do Bolhão. Até 01 Jun.

---
---
'O público e os actores devem respirar juntos, escutar juntos. Dizer as coisas ao mesmo tempo. Prefiro um teatro em que o público tenha de se debruçar para escutar, àquele em que o público recua porque soa alto de mais'.
Lars Norén
.sempre maravilhado, nunca desesperado.
[logo conto-te mais...]

quinta-feira, maio 15

Para ti, que vais voar no céu de Berlim.

Palhaço Voador em seis palavras provocadas:





Fotos: PV. Londres. Janeiro.2008

quarta-feira, maio 14

A Poética de um Clown 22

----
----
nesse momento percebi que não preciso de compreender para gostar nesse momento percebi que não preciso de ansiar para gostar nesse momento percebi que não preciso de discutir para gostar nesse momento percebi que não preciso de possuir para gostar nesse momento percebi que não preciso de controlar para gostar nesse momento percebi que não preciso de ter que gostar para
gostar nesse momento

segunda-feira, maio 12

A Poética de um Clown 21

Misha Gordin


'O que é que disseste, papá?
Nada. Está tudo bem. Dorme.
Vai correr tudo bem, não vai, papá?
Vai, sim.
E não nos vai acontecer mal nenhum, pois não?
Claro que não.
Porque nós transportamos o fogo.
Sim. Porque nós transportamos o fogo'.



'Quando nada mais tens, constrói cerimónias a partir do nada e dá-lhes vida com o teu sopro'.

domingo, maio 11

Homo Faber 22

Steve Chong


'Aquilo a que resistes persiste; o que aceitamos transforma-se'.
Princípio Budista

sábado, maio 10

O Grande Teatro do Mundo 15


A Dama do Mar de Henrik Ibsen. Encenação de Carlos Pimenta
[ 9 25 MAI. TEATRO CARLOS ALBERTO

'O egocêntrico exame de consciência do cristianismo habituara-o a estar atento a si próprio, a afagar-se, a embalar-se com uma infinita ternura. E esse eu bem tratado crescia e olhava sempre para dentro em lugar de lançar uma olhadela para ver o que se passava à sua volta. Assim, o rigorismo moral desagua, através da introspecção e da auto-análise, nas subtilezas psicológicas complacentes e extenuantes do refúgio em si mesmo.'

August Strindberg – O Filho da Criada

'Para Ibsen, o próprio desejo de uma vida plena e inteira surge como culpado; culpado de não ter em conta a verdade, isto é, as condições objectivas que se opõem ao livre desabrochar da pessoa. Ao mesmo tempo, Ibsen sabe muito bem que essa “megalomania da vida” é necessária. Nas suas últimas peças, os indivíduos encontram-se confrontados com uma terrível escolha entre dois males, entre dois erros igualmente trágicos. (…) Era um grande poeta do mal-estar da civilização: dá-se claramente conta de que a civilização da sua época bloqueia o sonho de uma humanidade feliz e reconciliada consigo mesma, de que ela torna irrealizável esse desenvolvimento harmonioso. E, no entanto, Ibsen persegue esse sonho de peça em peça, até à desilusão. Bem antes de Thomas Mann, ele mostra quão vão é esse esforço que a vida faz para se transcender a si mesma e a impossibilidade dessa transcendência.
Ele narra a barreira que existe entre o indivíduo e a vida
.'


Claudio Magris

quarta-feira, maio 7

A Representação do Eu nos Dias 37

-------
-------
'Depois ficou tarde e tivemos de ir embora. Mas gostei imenso de a ver. Percebi que era uma pessoa fantástica e que era bom conhecê-la. E lembrei-me de uma velha anedota, do tipo que vai ao psiquiatra e diz: “Doutor, o meu irmão é maluco. Acha que é uma galinha”. E o médico diz: “Porque é que não o interna?”. E ele responde: “Até internava, mas preciso dos ovos”.

É mais ou menos o que sinto sobre as relações entre as pessoas. São totalmente irracionais, e loucas e absurdas... Mas nós vamos aguentando porque precisamos dos ovos.'

Monólogo final do filme Annie Hall, Woody Allen

terça-feira, maio 6

Luz Silenciosa


Samuel Beckett


Jean Paul Sartre e Simone De Beauvoir


Henri Langlois


Serge Gainsbourg



Fotos: Palhaço Voador. Paris. Junho.2007

domingo, maio 4

O Viajante Imóvel 35


----------
---------
'Eu era um dos insaciáveis, um dos que se sentam sempre mais perto do ecrã.
Porque nos sentamos tão perto?
Talvez por querermos receber as imagens primeiro, quando ainda são novas, ainda estão frescas, ainda não ultrapassaram a barreira das filas de cadeiras, antes de saltarem de fila em fila, de espectador em espectador, até esgotadas, em segunda mão, do tamanho de um selo, voltarem à cabine do projeccionista.
Ou talvez por o ecrã ser uma espécie de biombo, protegendo-nos, a nós, do mundo lá de fora.'

em Os Sonhadores de Bernardo Bertolucci

sábado, maio 3

Estamos Juntos

--------

'Desde muito novos temos uma estranha sensação nas costas. Custam-nos muito movimentos como o rastejar, o enterrar ou o arrastar. Olham-nos com desconfiança. Não entendemos bem o que nos falta e porque teimam em dizer que nos falta alguma coisa. Quando nos nascem as pequenas asas existe uma tendência quase natural para as esconder, não vá o diabo tecê-las e apontarem-nos também o dedo por termos algo de extraordinário. Evitamos grandes exposições, somos discretos e naturalmente calados. A medo e quase só em intimidade é que vamos abrindo as nossas pequenas asas. Os primeiros voos fazem-se em casa onde, normalmente, nos impulsionam e exemplificam os voos. Depressa nos habituamos às alturas, a ver as diferentes perspectivas da terra, das pessoas e objectos. Gostamos de dias de sol e de vento na cara. Em terra falta-nos algo, sentimo-nos presos, respiramos com dificuldade.
Temos várias designações porque as pessoas gostam muito de rotular, etiquetar e tipificar sobretudo o que diz respeito aos outros. Uns chamam-nos cabeças no ar, alienados, almas do outro mundo e até loucos. Outros, porque não sabem bem quem são, procuram um modelo e dizem-nos heróis quando na verdade aquilo que temos é mesmo e nada mais do que asas.
Vamos ganhando altura. As asas já não recolhem, em terra tropeçamos e derrubamos tudo. No céu, planamos e fazemos piruetas, somos ágeis.
O acasalamento é difícil, não há muitas pessoas com asas, os rituais são arriscados e temos um pouso muito incerto. Mesmo em bando somos considerados um pouco solitários e muito independentes.
Os anos vão passando, vamos envelhecendo, as asas ficam mais queimadas pelo sol, porém persistimos, insistimos no voo. Fazemos menos milhas, temos necessidade de ir mais vezes a terra. Então aí reinventamos novas formas de voar e, às vezes, ficamos apenas parados a observar o céu e pensar que já conhecemos uma considerável parte do mundo.'
----
(quando um post nos pode emocionar)

sexta-feira, maio 2

Homo Faber 21

Augusto Peixoto

--------

'Há um momento em que toda a vida se leva ao ombro. Temos 20 anos, mudamos a cada estação, sentamo-nos num caixote de fruta, empilhamos os livros, amanhã podemos ir viver para Uruk ou Bucareste, mesmo quando só vamos ali dar uma volta.

E quando esse momento passa temos 30 anos, 30 mil contos de empréstimo a 30 anos, talvez não 30 mil livros mas três mil, talvez não livros mas discos, pedras, moedas, perdemos a cabeça num antiquário, mobilámo-nos no IKEA, trouxemos um kilim de Marrocos e passámos aquela semana a pintar a parede de azul petróleo, aquela semana a assentar o chão flutuante, e ele há tantas maneiras de compor uma estante (...).

Um livro põe a cabeça em movimento, uma biblioteca faz-se na cabeça. Se eu partisse agora, quais dos meus livros iriam comigo? Começamos como devíamos acabar, nenhuma renda, nenhuma dependência.

Nas cidades grandes há quilómetros quadrados de armazéns cheios de estofos de veludo bege, mesas-de-cabeceira, listas de casamento, motivos de divórcio. Uma casa são toneladas de objectos a que chamamos a nossa vida de cada vez que voltamos do mundo e nos aninhamos para esquecer. Depois há um momento em que encontramos alguém que parte e algo em nós pergunta como foi que aconteceu não podermos partir amanhã, e não podemos mesmo porque toda a nossa vida está aqui. Mas a vida verdadeira, nosso inferno, nossa salvação, nunca está aqui nem ali e isso é infinitamente portátil, vai para onde formos.
Tudo o que aprendi foi a não furar as paredes.'
Alexandra Lucas Coelho ( no Público de hoje)

quinta-feira, maio 1

O Viajante Imóvel 34




.a paz é mais forte do que o amor.

‘Ever tried. Ever failed. No matter. Try Again. Fail again. Fail better.’

‘Ever tried. Ever failed. No matter. Try Again. Fail again. Fail better.’