ENTRE O PRAZER E O SIGNIFICADO

segunda-feira, maio 19

Homo Faber 23

Gilbert Garcin
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'O significado que atribuímos às experiências depende, em grande parte, da nossa própria interpretação. (...) Se as crianças precisam de um conto de fadas, como afirma o título de um famoso livro, então os adultos precisam de mitos.

Mas não é só em situações de crise existencial e após golpes do destino que muitas pessoas sentem o desejo de ver o que lhes aconteceu inserido num contexto mais vasto. Mesmo no dia-a-dia gostam de interpretar os sinais, seguir o proverbial “aceno do destino” e de acreditar, secretamente, que desígnios mais elevados intervieram, desempenhando um papel decisivo nas mais decisivas transformações da vida.

Contra isso não há nada a dizer – desde que consigamos distinguir entre factos e interpretações, de modo a não transformar os produtos da fantasia no fundamento das nossas decisões. Para tomar decisões há sempre melhores estratégias. Trata-se, portanto, de aprender uma espécie de dupla contabilidade, com a qual podemos integrar, simultaneamente, as nossas vivências em duas realidades distintas: por um lado, movemo-nos num mundo de factos comprováveis, e apenas esses devem determinar as nossas acções. Por outro lado, também podemos mergulhar num mundo de interpretações e contextos fantásticos, de onde podemos observar e, eventualmente, até revalorizar as nossas experiências, a partir de uma perspectiva mágica.

Não prescindir de nenhuma destas perspectivas e, no entanto, ser capaz de separar as águas pode parecer estranho, ao até mesmo impossível. No entanto, é bem mais fácil do que parece. No cinema, a arte da dupla contabilidade nada tem de complicado: mergulhamos no enredo de um melodrama, ficamos emocionados, os sentimentos e as lágrimas são genuínos; no entanto, não duvidamos, nem por um segundo, de que a história que está a passar no ecrã não é realidade. No dia-a-dia, uma vida assim, entre a realidade e a interpretação fantasiada também é possível. Ainda por cima, somos nós próprios – e não um destino anónimo – que desempenhamos o papel principal.
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O poeta Rainer Maria Rilke exprimiu-o desta maneira: “Cada dia deve e tem de ter um sentido, e não é do acaso, mas sim de mim, que ele o deve receber.”’


Stefan Klein, Como o acaso comanda as nossas vidas, Lua de Papel

4 comentários:

Anónimo disse...

Obrigada, Vitor, por partilhares coisas tão belas...e esta chegou num momento especial...

A auto-determinação e a possibilidade de escolher é na verdade o bem mais precioso!

Palhaço Voador disse...

De nada, Fernanda. Fico contente por te saber leitora deste blogue. Um abraço.

Francisco Caleia disse...

Aprecio muito os trabalhos de Gilbert Garcin.

klaudia disse...

é engraçado como és um voador mas, às vezes, voas rasante à realidade
um pé na terra e a cabeça no ar
(where else?)

‘Ever tried. Ever failed. No matter. Try Again. Fail again. Fail better.’

‘Ever tried. Ever failed. No matter. Try Again. Fail again. Fail better.’