'Cada criatura que passava arrastava consigo uma cauda - poalha luminosa de oiro ou cinza, feita de luar ou de escarlate. Lentamente pôde distingui-los, classificá-los, conforme o manto régio ou pobre que traziam. E na noite havia-os que deixavam um grande rasto rútilo, como estrelas cadentes, onde gemiam ais de mágoa, prolongados como um som de viola que se parte. Míseros, ressequidos e sacudidos pela dor, traziam uma cauda cor-de-cinza, com chuveiros de miríades de centelhas de lágrimas, e a poetas nimbava-os uma poalha de luar e de oiro. Velhas ardidas eram envolvidas por uma atmosfera baça, onde o imortal amor ainda luzia. E alguns deixavam atrás de si restos de mantos todos púrpuras, que se iam perder na lama e no esquecimento; outros, criminosos decerto, caminhavam numa nuvem negra, onde pedaços sangrentos escorriam como punhaladas, e havia-os todos verdes, de cambiantes infinitos. Muitos arrastavam caudas enormes pela lama, despedaçavam-nas de encontro às esquinas, e alguns procuravam deitá-las fora para não mais pensarem num passado tenebroso. - O homem material - pensava o Palhaço - não existe. A vida é uma convenção. O que existe é sonho, o sonho é a única realidade. Sonhar! Sonhar!...'
'A vida é um incêndio: nela dançamos salamandras mágicas. Que importa restarem cinzas se a chama foi bela e alta? No meio dos toros que desabam, cantemos a canção das chamas! Cantemos a canção da vida, na própria luz consumida.'
3 comentários:
lollll nem mais.
É bem certo!
Pois a tonteria é espontaneidade e esta não tem limites, dizer o oposto seria um paradoxo.
'Cada criatura que passava arrastava consigo uma cauda - poalha luminosa de oiro ou cinza, feita de luar ou de escarlate. Lentamente pôde distingui-los, classificá-los, conforme o manto régio ou pobre que traziam. E na noite havia-os que deixavam um grande rasto rútilo, como estrelas cadentes, onde gemiam ais de mágoa, prolongados como um som de viola que se parte. Míseros, ressequidos e sacudidos pela dor, traziam uma cauda cor-de-cinza, com chuveiros de miríades de centelhas de lágrimas, e a poetas nimbava-os uma poalha de luar e de oiro. Velhas ardidas eram envolvidas por uma atmosfera baça, onde o imortal amor ainda luzia. E alguns deixavam atrás de si restos de mantos todos púrpuras, que se iam perder na lama e no esquecimento; outros, criminosos decerto, caminhavam numa nuvem negra, onde pedaços sangrentos escorriam como punhaladas, e havia-os todos verdes, de cambiantes infinitos. Muitos arrastavam caudas enormes pela lama, despedaçavam-nas de encontro às esquinas, e alguns procuravam deitá-las fora para não mais pensarem num passado tenebroso.
- O homem material - pensava o Palhaço - não existe. A vida é uma convenção. O que existe é sonho, o sonho é a única realidade. Sonhar! Sonhar!...'
Raul Brandão
Enviar um comentário