‘O clown é a poesia em acção’
Henry Miller
Segundo Roberto Ruiz, a palavra clown vem de clod, que se liga, etimologicamente, ao termo inglês "camponês" e ao seu meio rústico, a terra. Por outro lado, palhaço vem do italiano paglia (palha), material usado no revestimento de colchões, porque a primitiva roupa desse cómico era feita do mesmo pano dos colchões: um tecido grosso e listrado, e alcochoado nas partes mais salientes do corpo, fazendo de quem a vestia um verdadeiro "colchão" ambulante, protegendo-o das constantes quedas.
Na verdade palhaço e clown são termos distintos para se designar, na essência, a mesma coisa. As diferenças consistem nas linhas de trabalho. Como, por exemplo, os palhaços (ou clowns) americanos, que dão mais valor ao gag, ao número, à ideia; para eles, o que o clown vai fazer tem um maior peso. Por outro lado, existem aqueles que se preocupam principalmente com o como o clown vai realizar o seu número, não importando tanto o que ele vai fazer; assim, são mais valorizadas a lógica individual do clown e a sua personalidade; essa forma de trabalhar é uma tendência para uma abordagem mais pessoal. Podemos dizer que os clowns europeus seguem mais essa linha.
O clown tem as suas raízes na baixa comédia grega e romana, com os seus tipos característicos, e nas apresentações da commedia dell'arte. Nas festividades religiosas e nas apresentações populares da Antiguidade, havia uma alternância entre o solene e o grotesco. Esse é um facto comum a povos distintos: dos gregos até os aborígenes da Nova Guiné, passando pelos europeus da Idade Média ou pelos lamaístas do Tibete.
Esta combinação do cómico e do trágico acentua a percepção de emoções contrapostas e é muito peculiar no clown. Para Shklovski, o clown faz tudo seriamente. Ele é a encarnação do trágico na vida quotidiana; é o homem assumindo a sua humanidade e a sua fraqueza e, por isso, tornando-se cómico.
Existem dois tipos clássicos de clowns: o branco e o augusto. O clown branco é a encarnação do patrão, o intelectual, a pessoa cerebral. Tradicionalmente, tem o rosto branco, vestimenta de lantejoulas (herdada do Arlequim da commedia dell'arte), chapéu cônico e está sempre pronto a ludibriar o seu parceiro em cena. Modernamente, ele apresenta-se, muitas vezes, de smoking e de laço.
O augusto é o tolo, o eterno perdedor, o ingénuo de boa-fé, o emocional. Ele está sempre sujeito ao domínio do branco, mas, geralmente, supera-o, fazendo triunfar a pureza sobre a malícia, o bem sobre o mal. Adoum afirma que a relação desses dois tipos de clowns acaba representando cabalmente a sociedade e o sistema, e isso provoca a identificação do público com o menos favorecido, o augusto. Podemos considerar que o verdadeiro e autêntico clown é o augusto, o branco nunca o chega a ser verdadeiramente.
O clown é a exposição do ridículo e das fraquezas de cada um. Logo, ele é um tipo pessoal e único. Uma pessoa pode ter tendências para o clown branco ou para o clown augusto, dependendo da sua personalidade. O clown não representa, ele é – o que faz lembrar os bobos e os bufões da Idade Média. Não se trata de um personagem, ou seja, uma entidade externa a nós, mas da ampliação e dilatação dos aspectos ingénuos, puros e humanos (como nos clods), portanto "estúpidos", de nosso próprio ser. François Fratellini, membro de tradicional família de clowns europeus, dizia: "No teatro os comediantes fazem de conta. Nós, os clowns, fazemos as coisas com verdade."
O trabalho de criação de um clown é extremamente doloroso, pois confronta o artista consigo mesmo, colocando à mostra os recantos escondidos da sua pessoa; vem daí o seu carácter profundamente humano.
Adaptado de Luís Otávio Burnier