BBerenikaVoar não é altura,
é interioridade...
Palavras de Babel sobre "Nunca se pode concordar em rastejar, quando se sente ímpeto de voar." (Obrigado a ambos).
ENTRE O PRAZER E O SIGNIFICADO
BBerenika
' A cegueira e a loucura (“É sinal dos tempos serem os cegos guiados por loucos”) são os pilares do mundo erguido em O Rei Lear, muito provavelmente a peça do cânone shakespeariano que mais temor e controvérsia tem gerado junto de críticos, encenadores e actores, atraídos e repelidos pela sua desmesura (“irrepresentável”, dizem eles), e confundidos pela sua ambígua imoralidade (o triunfo da injustiça, a redenção como uma quase impossibilidade). João Garcia Miguel traduziu e esquartejou o texto (burgher é aqui sinónimo de carne picada e cidadão), criando uma partitura bilingue que Anton Skrzypiciel e Miguel Borges interpretam em chave clownesca – a ternura pacificando a ira, a farsa amplificando a tragédia. Para o encenador, Lear é “um rei que se sente velho e quer voltar a ser homem”, que é como quem diz que estamos perante a “invenção do humano”. Harold Bloom cunhou a expressão, João Garcia Miguel arriscou transformá-la em coisa teatral. Representável, portanto.'


"Clowns always speak of the same thing, they speak of hunger; hunger for food, hunger for sex, but also hunger for dignity, hunger for identity, hunger for power. In fact, they introduce questions about who commands, who protests." — Dario Fo (Italian playwright/fool)
'De um ser chamado Homem-Almofada só se pode esperar uma natureza cândida, feliz e sobretudo inofensiva. A não ser que se trate de uma criatura imaginada por Katurian, a personagem central de The Pillowman (2003), do dramaturgo inglês Martin McDonagh. Nesse caso, só pode ser uma criatura que, movida pela mais terrível das boas intenções, se esforça por convencer criancinhas a cometer suicídio. Abordando com humor sardónico e cáustica ironia temas difíceis (ao suicídio infantil some-se ainda o infanticídio e o abuso sexual de menores), McDonagh urde uma irresistível farsa sobre o arsenal de perigos que decorre da, aparentemente inócua, decisão de ficar em casa e escrever uma história. Estreia fulgurante de Tiago Guedes (realizador do filme Coisa Ruim) na encenação, que – conjugando uma excepcional direcção de actores com o inspirado aproveitamento de recursos expressivos como a animação – nos propõe uma comédia negra travestida de drama. Mais uma eloquente prova que os Municipais de Lisboa dão ao Porto de que é possível – e desejável – criar objectos imensamente comunicativos a partir de exigentes matérias textuais e de uma indesmentível diferença artística.'