ENTRE O PRAZER E O SIGNIFICADO

sábado, abril 19

O Grande Teatro do Mundo 14

Dúvida. de John Patrick Shanley. Encenação de Ana Luísa Guimarães.
No Teatro Nacional São João até 27 de Abril
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Dúvida
'O que é a dúvida? Cada um de nós é como um planeta. Há a crosta, que parece eterna. Estamos confiantes acerca de quem somos. Se nos perguntarem, sabemos descrever de imediato o nosso estado actual. Eu sei as minhas respostas para muitas perguntas, tal como vocês. Como era o seu pai? Acredita em Deus? Quem é o seu melhor amigo? O que é que quer? As vossas respostas são a vossa topografia actual que parece ser permanente, mas que é enganadora. Porque debaixo dessa face de respostas fáceis existe um outro Eu. E esse Ser sem palavras move-se como se move o instante que passa; pressiona para vir à superfície sem qualquer explicação, fluido e sem palavras, até que a consciência que resiste não tem outra alternativa senão ceder.

É a Dúvida (vivida muitas vezes no início como fraqueza) que faz as coisas mudar. Quando um homem se sente inseguro, quando vacila, quando um saber arduamente conquistado se evapora diante dos seus olhos, é quando está no limiar do crescimento. A reconciliação, subtil ou violenta, da pessoa exterior com o seu íntimo parece muitas vezes, no início um erro, como se avançássemos na direcção errada e nos perdêssemos. Mas isso não é senão a emoção que anseia pelo que lhe é familiar. A vida acontece quando o poder tectónico da nossa alma silenciosa irrompe através dos hábitos estagnados da nossa mente. A Dúvida não é mais do que uma oportunidade de reentrar no Presente.

Existe um momento de desconforto em que a intensidade com que acreditamos começa a enfraquecer mas em que a hipocrisia ainda não se instalou, em que a consciência está perturbada mas ainda não alterada. É a experiência mais perigosa, importante e mais actual da vida. O início da mudança é o momento da Dúvida. É aquele momento crucial no qual ou renovo a minha humanidade ou me torno uma mentira.

A Dúvida requer mais coragem do que a convicção, e mais energia; porque a convicção é um lugar de repouso e a dúvida é infinita – é um exercício apaixonado. Podem sair da minha peça com incerteza. Podem querer ter a certeza. Analisem esse sentimento. Temos de aprender a viver com uma medida plena de incerteza. Não há uma última palavra. Isso é o silêncio debaixo do excesso de palavras do nosso tempo.'

John Patrick Shanley

2 comentários:

Clara disse...

Já não me recordo de como vim parar ao seu blog, mas desde esse dia passar por cá é obrigatório!
Sempre que cá venho fico fascinada pela qualidade dos textos que encontro. Escolhas sempre muito acertadas e por vezes desconhecidas, para mim...
Bem Haja por isso!

Palhaço Voador disse...

Obrigado Clara. É sempre bem vinda! Um abraço :o)

‘Ever tried. Ever failed. No matter. Try Again. Fail again. Fail better.’

‘Ever tried. Ever failed. No matter. Try Again. Fail again. Fail better.’