-'O senhor Valéry era pequenino, mas dava muitos saltos.
Ele explicava:
- Sou igual às pessoas altas só que por menos tempo.
-Mas isto constituía para ele um problema.
Mais tarde o senhor Valéry pôs-se a pensar que, se as pessoas altas saltassem, ele nunca as alcançaria na vertical.
E tal pensamento desanimou-o um pouco. Mais pelo cansaço, no entanto, do que por esta razão, o senhor Valéry um certo dia abandonou os saltinhos. Definitivamente.
-Dias depois saiu à rua com um banco.
Colocava-se em cima dele e fica lá em cima, parado, a olhar.
- Desta maneira sou igual aos altos durante muito tempo. Só que imóvel.
Mas não se convenceu.
-- É como se as pessoas altas estivessem com os pés em cima de um banco e mesmo assim conseguissem mexer-se – murmurou o senhor Valéry, cheio de inveja, quando regressava já a casa, desiludido, Com o banco debaixo do braço.
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O senhor Valéry fez então vários cálculos e desenhos. Pensou primeiro num banco com rodas, e desenhou-o. Pensou depois em congelar um salto. Como se fosse possível suspender a força da gravidade, apenas durante uma hora (ele não pedia mais) nos seus percursos pela cidade.
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E o senhor Valéry desenhou o seu sonho tão comum.
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Mas nenhuma destas ideias era confortável ou possível, e por isso o senhor Valéry decidiu ser alto na cabeça.
-Agora, quando se cruzava com as pessoas, na rua, concentrava-se mentalmente, e olhava para elas como se as visse de um ponto 20 centímetros mais acima. Concentrando-se, o senhor Valéry conseguia mesmo ver a imagem do topo do cabelo das pessoas que eram bem mais altas que ele.
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O senhor Valéry nunca mais se lembrou das hipóteses do banco ou dos saltinhos, considerando-as agora, a uma certa distância, ridículas. Porém, concentrado de tal modo nesta visão, como que de cima, tinha dificuldade em se lembrar da cara das pessoas com quem se cruzava.
No fundo, com a altura, o senhor Valéry perdeu amigos.'
--O Senhor Valéry. Gonçalo M. Tavares. Caminho
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Foto de PalhaçoVoador. Porto - Serralves. 2008
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