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ENTRE O PRAZER E O SIGNIFICADO
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‘A solidão existe e, ainda por cima, é constitutiva e faz parte. Mas, porque se trata de um sentimento, não é modificável no exterior. À solidão externa chama-se isolamento, e tem remédio. À solidão como sentimento, a tal que desespera, a tal que engelha a pele e a alma, não há pessoas que cheguem, não há festas que disfarcem, não há afectos que calem.
A solidão mais terrível, mais dorida e arreigada é sempre aquela que, inscrita em nós, nos impede de amar os outros e de os deixar ocupar espaço dentro de nós. E dessa, só nós temos, além do mal, a cura.’
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Isabel Leal. Foto de Fabio Keiner
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'Todo o comportamento consiste de opostos, ou polaridades. Se fizer repetidamente alguma coisa, se insistir cada vez mais, a sua polaridade irá revelar-se. Por exemplo, se alguém se esforçar por ser belo vai tornar-se feio, e tentar demasiado ser generoso é uma forma de egoísmo. Qualquer comportamento excessivo produz o seu oposto.'
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Tao Te Ching, de Lao Tzu. Foto de Leanne Geldenhuys
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'É bonito, não o bonito que o cinismo contemporâneo se habituou a desvalorizar, bonito mesmo. (...) Há discos assim, como se a sua função fosse estar a um canto, murmurando, mas prontos a conduzir-nos à intimidade, partilhando um lamento, um momento de felicidade, um soslaio de nostalgia, uma viagem, Espanha, Marrocos, EUA, desertos, mares, céus, chuva, Portugal, sempre Portugal.
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Mas um Portugal que não tem necessidade de se exibir para ser. É-o simplesmente.
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São temas instrumentais para guitarra clássica, mareando intuitiva e serpenteantemente, que a cada nova audição se transformam num momento de descoberta da realidade. De Tó Trips. Da nossa. Das pessoas de todo o mundo, porque as suas emoções são iguais em todas as latitudes.
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É também o disco que aproxima mais o músico do silêncio e da tradução da existência através de uma forma poética. No seu caso não são precisos grandes artifícios. Basta uma guitarra, algumas ideias, uma respiração introspectiva, deixar fluir o tempo, um imaginário para partilhar, contemplar o mundo, o exterior e o interior, sem a ânsia de descobrir um propósito final nesse seu gesto errante.'
Vítor Belanciano, Público.
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'Hoje não tenho uma crença particular no homem. Transitei do cristianismo para o marxismo bastando-me acreditar no homem. Substituí uma crença por outra. E hoje estou convencido de que o homem é capaz do pior e do melhor, e que não há nenhum destino escrito. Não há uma bondade inata que, no fim, triunfe sobre o mal. É possível, aliás, que o mal triunfe. Tenho a certeza absoluta que se quiser algum bem tenho que lutar muito, e que vale a pena fazê-lo.'
Miguel Portas. Foto de Claudio Patrizi
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Parece que só a vida, ou a nossa interpretação das experiências da vida, permite compreender a profundidade das parábolas clássicas. Eis uma de que me apetece lembrar:
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Certa vez, um escorpião aproximou-se de um sapo que estava à beira de um rio.
O escorpião vinha fazer um pedido:
"Sapinho, poderias me carregar até à outra margem deste rio tão largo?"
O sapo respondeu: "Só se eu fosse tolo! Tu vais me picar, eu vou ficar paralisado e vou-me afundar."
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Disse o escorpião: "Isso é ridículo! Se eu te picasse, ambos afundaríamos."
Confiando nesta lógica, e porque gostava muito do escorpião e se sentia sozinho, o sapo concordou e levou o escorpião nas costas, enquanto nadava para atravessar o rio.
No meio do rio, o escorpião cravou o seu ferrão no sapo.
Atingido pelo veneno, e já começando a afundar, o sapo voltou-se para o escorpião e perguntou:
"Por quê? Por quê?"
E o escorpião respondeu: "Por que sou um escorpião e essa é a minha natureza."
Há que aceitar o facto: alguns de nós são mais "sapos" e outros são mais "escorpiões". Não vale a pena acreditar que as pessoas mudam essa essência, porque não mudam.
Que tenhamos a sorte, e a vontade, de saber quem é quem, apesar das aparências, antes de iniciar uma viagem em conjunto. E a coragem de dizer que não, antes que seja tarde de mais.
A não ser que gostemos de emoções fortes, queiramos experimentar coisas ou queiramos acreditar, apesar de todas as evidências, ingenuamente no "impossível". Mas depois há que pagar o preço.
No final, quer o sapo, quer o escorpião, assumem, ou não, as consequências da sua natureza.
E a vida continua...
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